segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Comentários sobre o livro: A invenção de Morel - Adolfo Bioy Casares

  

 CONTÉM SPOILER!

Um homem fugitivo da Venezuela chega em uma ilha deserta, que contem três construções abandonadas: uma piscina, um "hotel-museu" e uma capela. Quando fica sabendo da existência dessa ilha, lhe informaram que todos que lá estiveram estavam mortos, porém, insistiu. Todo dia, como narra em seu relato, há muito trabalho a se fazer na ilha: buscar alimento, fugir da maré, sobreviver. 
Sua rotina é alterada quando percebe que chegam pessoas nessa ilha, vários turistas. Uma se destaca em seu olhar: a morena Fantine. Nosso personagem começa a espiar secretamente esses visitantes, tentando ao máximo não ser visto. Começa a observar Fantine, solitária em certos finais de tarde, observando o mar. Às vezes, acompanhada de um homem, Morel (tais vezes lhe causavam ciúmes). Começa a ensaiar seu encontro com a mulher: o que dizer, como aparecer sem assustá-la, mas cada vez que tenta por em prática seus planos, percebe que foi ignorado pela moça. Será uma tática dela, fingir não vê-lo? Ignorá-lo? 
Após muitas e muitas frustrações como essa, começa a se indagar se essas pessoas podem vê-lo, se não estaria ficando louco, se por ventura estava invisível. 
Frustrado, curioso, nosso personagem começa a escutar e a investigar o que aquelas pessoas dizem, o que fazem ali. Descobre, então, o invento de Morel. Morel, sem que as pessoas saibam, submeteu seus amigos à sua invenção que consistia em eternizá-los em seus cinco sentidos, naquele momento em que estavam na ilha (uma semana), por meio de uma máquina inventada que "fotografava-Filmava-Copiava" aquelas pessoas (porém, sem suas alma e consciência). Eles permaneceriam "vivendo" aquela semana "eternamente". 
Ao descobrir a invenção, o homem percebe então, o motivo de não poder ser visto e nem de interagir com sua amada. Nem mesmo poderia procurá-la em seu país de origem, pois estava morta. Sem motivos para viver, decide então, gravar-se nessa máquina inventada por Morel, em momentos próximos a ela, como se fingisse intimidade a ela, definindo assim, sua eternidade: próximo da mulher amada. Mas aflito, deixa por escrito antes que morra, uma súplica: que se alguém algum dia viesse a inventar uma máquina melhor do que a de Morel, que fizesse com que Fantine tivesse consciência dele na eternidade.


Adolfo Bioy Casares, argentino, escreveu esse livro aos 26 anos, e foi publicado na década de 40. Definitivamente uma obra à frente de seu tempo. Em poucas páginas ele aborda sobre a solidão, sobre os limites da ciência, sobre o desejo incansável do homem em se "eternizar" aqui na terra, o medo de morrer e deixar findar os amores e a vida que aqui se teve.  A aflição da solidão assola o personagem, que não consegue interagir com ninguém ali da ilha. Sem comunicação, sem o toque, sem um olhar de nenhuma daquelas "representações" de pessoas que um dia viveram com corpo e alma, e hoje, através da invenção de Morel, representam infinitamente, dia após dia, a mesma semana, mas sem terem consciência disso. Apenas existem, tranquilas, naquele momento que chamam de "eternidade".

Um trecho do livro que, em minha opinião, melhor representa a ideia que o autor quis passar com essa ficção e que faz refletir:
"A eternidade rotativa pode parecer atroz para o espectador; é satisfatória para seus membros. Livres de más notícias e de doenças, vivem sempre como se fosse a primeira vez, sem recordar as anteriores. De resto, graças às interrupções impostas pelo regime das marés, a repetição não é implacável. [...] Pode-se pensar que a vida é como uma semana dessas imagens e que volta a se repetir em mundos contíguos." [p. 71]
Valeu a leitura!
Até a próxima.

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