quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Comentários sobre o livro "Uma, duas" de Eliane Brum



Pode conter SPOILERS!

Uma, duas, romance de estreia da jornalista Eliane Brum. A história permeia a vida de uma mãe (Maria Lúcia) e uma filha (Laura), escrita com letras vermelhas, literalmente e também simbolicamente. O vermelho das letras representa toda a dificuldade que há na relação dessas duas personagens. O livro sangra sentimentos e ressentimentos, sangra raiva, sangra o sangue da filha que se corta desde menina. 
É um livro forte, um livro com cenas pesadas e permeadas de ódio, um livro que me deixou sem fôlego e, muitas vezes, sem palavras, apenas sentindo junto com as personagens. Nos perguntamos ao início qual o motivo de tanto peso nessa relação mãe-filha? Primeiro nos é apresentados os fatos na versão escrita pela filha. Também de um narrador x. E depois a mãe se revela também com sua voz. E aos poucos a história vai abrindo suas cortinas. Uma relação conturbada desde o princípio, mas também uma relação de amor e ódio, algo doentio para quem vê de fora, mas também com certeza para quem está dentro, um mundo de duas que são uma só, que querem MUITO serem libertas, mas não podem, estão presas por um cordão umbilical. 
A escrita tem um papel muito importante para as personagens. A filha decidiu ser jornalista, quem sabe para poder escrever. Escrevia sobre a vida dos outros, mas agora escreve e sangra a sua própria história. A mãe, após descoberta uma grave doença, começa a escrever sobre sua história, antes da filha vir ao mundo. E depois com a filha. E fica bastante claro uma coisa: somos todos vítimas de vítimas, e tentar achar um culpado por quem somos, talvez seja perda de tempo, apesar de fazer sentido.

"O que eu quero dizer é que não é porque a gente não saiba como fazer as coisas do jeito certo que a gente não ame. Eu não sabia qual era o jeito certo de amar, só isso. Como eu poderia? Não, não estou querendo absolvição nem compaixão [...] mas, gostando ou não, eu também sou filha deste mundo."

Livro diferente das histórias comuns, Eliane Brum nos brinda com sua excelente escrita. Recomendo! 

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Comentários sobre Persépolis, de Marjane Satrapi


Pode conter Spoilers!

E não é que os quadrinhos estão ganhando meu coração? O final de semana foi dedicado à leitura de Persépolis, da iraniana Marjane Satrapi. Terminada a leitura da HQ, parti para o filme, Obviamente com relação à adaptação, houve algumas mudanças na história, porém não muito relevantes. A essência continuou a mesma, e ambos são maravilhosos e expressivos.

Para contextualizar a história, trago aqui a sinopse que encontrei no site Skoob:

Marjane Satrapi tinha apenas dez anos quando se viu obrigada a usar o véu islâmico, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita - apenas mais um capítulo nos muitos séculos de opressão do povo persa.
Vinte e cinco anos depois, com os olhos da menina que foi e a consciência política à flor da pele da adulta em que se transformou, Marjane emocionou leitores de todo o mundo com essa autobiografia em quadrinhos, que só na França vendeu mais de 400 mil exemplares.
Em Persépolis, o pop encontra o épico, o oriente toca o ocidente, o humor se infiltra no drama - e o Irã parece muito mais próximo do que poderíamos suspeitar.


Bom, em uma HQ de aproximadamente 350 páginas, e com o tempo de leitura aproximado de três horas, são abordados tantos assuntos que é difícil saber por onde começar. Mas comecemos:

Contexto político e social do Irã: Convenhamos. é muito difícil o entendimento da História dos países do Oriente Médio, do contexto e das guerras que foram e são vivenciadas até hoje. Marjane, nessa HQ quase autobiográfica consegue simplificar um pouquinho para nós a História do Irã, a revolução que teve início em 1979 e o regime xiita que foi implementado no país. Nascida nesse contexto, Marjane vai nos escancarar sua vida e de seus familiares, seu sonho por revolução, por liberdade, e toda a rotina que foi mudada com a Guerra e com o regime xiita. Isso implicou em milhares de mortos, de presos políticos - inclusive familiares próximos - em proibições das mais absurdas para ambos os sexos, mas claro, principalmente, para o sexo feminino. As mulheres foram proibidas de sair de suas casas sem usar um véu na cabeça (e usá-lo da maneira "correta", sem que apareçam nem um centímetro dos cabelos, pois estes chamam a atenção dos homens, podendo levá-los ao pecado!). As escolas separaram meninas de meninos; homens e mulheres não poderiam ser vistos juntos nas ruas, muito menos andar de mãos dadas ou fazer demonstrações de afeto se não fossem casados e não andassem com a Certidão de Casamento para provar isso. Tudo passou a ser feito e ensinado em nome da "fé", do extremismo, usando a vontade de Deus como desculpa para tantas coisas absurdas e abusivas, contrárias à liberdade, esta, já esquecida pelo povo iraniano. Festas e bebidas alcóolicas também foram proibidas, sendo presos quem os fizesse ou mantivesse em suas casas. Além disso, Marjane nos mostra a Guerra e suas consequências, as mentiras contadas pela mídia ao povo, a falta de alimentos nos supermercados, a necessidade de esconderijos subterrâneos que protegessem o povo das bombas e dos ataques aéreos, as milhares de mortes e de mártires da guerra, A pressão e os problemas eram tanto externos quanto internos, e muitas crianças foram separadas de seus pais para tentar viver em outros países em busca de melhores condições. Assim, Marjane foi mandada para a Áustria com apenas 14 anos, sozinha, em busca de um futuro melhor.

Sair de casa e viver longe da família/ na adolescência: Marjane teve essa experiência duas vezes. A primeira quando foi à Áustria, sem ter opção. As condições para uma adolescente no Irã eram péssimas. Marjane se viu sozinha em um país distante, tendo que se virar e fazer amizades. Aos poucos conheceu pessoas, teve namorados, usou drogas, se frustrou, foi expulsa de pensões e moradias, dormiu na rua, conheceu o fundo do poço. Soube voltar para casa, pedindo para que não fizessem perguntas. Receberam-na de braços abertos. Anos depois, quis voltar a viver fora, na França. Preparou-se pra isso, e já sabia que viver longe daqueles que se ama em busca da liberdade tem um preço (um preço alto - em sua despedida foi a penúltima vez que vira sua avó).

Mulheres na sociedade: Vi em uma entrevista com a autora que a intenção dela não era fazer uma história feminista, mas simplesmente contar a sua história. E como ela era mulher, sim, consequentemente mostrou as injustiças que viviam e ainda vivem as mulheres daquele país. Proibidas de mostrar os cabelos, de usar maquiagem, de fazer demonstrações em público, de participarem de festas, de consumir bebidas alcóolicas e por aí vai.


Mulheres, coragem e enfrentamento. Arrasou, Marjane! Já sou sua fã.